Buenos Aires, o que valeu: El Baqueano, Sucre, Malvón e Don Julio

A influência brasileira do chef Fernando Rivarola, do El Baqueano, se revela nesta coxinha de jacaré com excelente aioli cítrico

Passei a semana entre o Natal e o Ano Novo em Buenos Aires. Fazia nove anos que não visitava a cidade e tinha ótimas recordações da capital Argentina. O que vi agora foi uma cidade tristemente decadente, mal cuidada, suja, pichada, com comércio vazio e preços altos – a crise bateu forte, bem forte, por lá. Se um dia turistar por lá foi barato para nós, brasileiros, hoje os valores de restaurantes se assemelham aos de São Paulo, mas com qualidade e serviço inferiores.

Apesar de ter tido decepções avassaladoras – Cabaña Las Lilas (caro feito o demo e medíocre), La Cabrera (caro e mediano), Café Tortoni (obscenamente caro e comida pífia; completamente “pega turista”) -, também tive boas experiência como o jantar delicioso no El Baqueano, as melhores mollejas que já provei no Sucre, o café da manhã caprichado na Malvón e as empanadas no Don Julio.

EL BAQUEANO

Usuzukuri de salmão branco com esferas de molho de soja e

Restaurante de autor que trabalha apenas com carnes de animais originários da Argentina, o El Baqueano foi a grande gostosura da viagem. Apesar do salão a meia-luz quase vazio (de novo, a crise), tanto o serviço quanto a comida estavam exemplares. O talentoso chef Fernando Rivarola e sua mulher, a sommeliere Gabriela Lafuente, fazem do El Baqueano, localizado em San Telmo, um canto a ser obrigatoriamente visitado para quem gosta de comer bem.

Carpaccio de lhama com esferas de pepinos e alcaparras, mostarda e espuma de queijo do El Baqueano

Ali, só existe o menu degustação de sete etapas, que muda todos os meses (quando fui, saiu, por pessoa, o equivalente a R$ 130) e oferece pratos executados com criatividade e maestria, caso o aromático e delicado usuzukuri de salmão branco com esferas de molho de soja sobre finas torradas com alho.

“Empanadas” de lagostins com brotos, nori e consomé com molho de soja

Outro que me pirou foi o lindo, potente e equilibrado carpaccio de lhama com mostarda escura, esferas de pepinos e alcaparras e espuma de queijo. Gostosa, apesar de um tiquinho massuda, a coxinha de jacaré com EXCELENTE aioli cítrico (a coxinha está no menu por conta do contato do casal com chefs como Alex Atala e Rodrigo Oliveira); “empanadas” de lagostins, que lembram a textura massa do guioza do Aska, em São Paulo; finos e delicados canelones de ema ao molho de pimentão vermelho; matadora sobremesa de três texturas do suculento e doce pêssego argentino… e por aí vai.

Menu de dezembro do El Baqueano: belíssimo jantar

Estando em Buenos Aires, conheça ou retorne ao El Baqueano e aproveite para pedir o menu harmonizado com excelentes vinhos.

SUCRE

Mollejas na parrilla servidas com salada de batatas e ovos: perfeitas. No Sucre.

Afastado da rota turística, no bairro elegante de Belgrano, o Sucre também é um restaurante de autor mas com presença marcante da tradicional parrilla argentina. Foi das mãos do chef Fernando Trocca, também a frente do londrino Gaucho Grill, que comi o burger mais saboroso dos últimos tempos, o Sucre Burger.

Sucre Burger: pão caseiro, batatas fritas rústicas e sabor maravilhoso de lenha

Feito na parrilla, a carne trazia o toque tostado e marcante do carvão (poderia ser mais vermelho pro meu gosto, mas o sabor…. sensacional), pão caseiro alto e não massudo, ótimas batatas rústicas de fritura perfeita e adocicado catchup caseiro. Muito, muito bom. No mesmo almoço tracei uma das melhores mollejas da vida: amanteigadas, com pequenos pedaços crocantes no exterior – presente do fogo-, acompanhada de salada de batatas e ovos com maionese caseira cítrica. O prato principal foi um bom risoto de açafrão (verdadeiro, não o genérico) com ossobuco de vitela.

Exemplo de rótulos de ótimo custo-benefício do Sucre (ao fundo, a parrilla aberta para o salão)

A casa também conta com carta de vinhos ampla focado em rótulos acima de R$ 100 e um salão amplo, moderno, repleto de luz natural, no qual a parrila aberta sana a curiosidade e entretem o público.

MALVÓN

Café da manhã para dois na Malvón

Um alento pra alma de quem, como eu, ama café da manhã. E a qualquer hora do dia. A Malvón é uma charmosíssima confeitaria camuflada em uma rua discreta e nada turística de  Villa Crespo, perto de Palermo. Miríade de pães (qualidade mediano) e doces e bolos (ótimos) feitos diariamente lotam o balcão que leva para as mesas do lindo pátio externo, ao ar livre. A Malvón é aquela mistura ideal de ambiente relaxante e convidativo com boa comida que nos faz querer passar horas por ali.

Salão do Malvón e o Carrot Cake repleto de especiarias

Meu pedido foi o café da manhã para dois – algo como R$ 45- que trazia seleção de pães (ótimo scone doce), o onipresente queijo cremoso, geleia artesanal, bom café com leite (coisa rara!), água aromatizada com pepino e maçã verde e um doce à escolha que, no caso, foi um carrot cake repleto de frutos secos e especiarias, como curto. Mas, olha, dava pra se perder nas opções: torta de doce de leite, torta de chocolate, bolo de banana com gotas de chocolate, alfajores caseiros, pecan pie, cookies, cinnamon roll…

Alfajores artesanais, fresquinhos, na Malvón

brunch, considerado por muitos portenhos o melhor da cidade, e servidos aos finais de semana, oferece ovos rancheros, fritatas, ovos beneditinos, taça de vinho, costela de porco em molho cajun, salada de camarão, panquecas, cornbread muffin com xarope de gengibre, entre outros.

DON JULIO

Empanada de carne do Don Julio: massa quase folhada recheada com refogado mega bem temperado

Lá, ve-se argentinos, não só brasileiros. O que é bom sinal. Várias pessoas me disseram que o Don Julio (Guatemala 4691 esq. Gurruchaga, Palermo) tem a melhor parrilla de Buenos Aires (incluindo o custo-benefício), mas queria mesmo é provar as famosas empanadas. Diferentes das outras que comi, a massa desta é bem amanteigada, apenas com as bordas crocantes. Dentro é macia, cremosa e desmancha ao toque da língua. Cara (cerca de R$ 8, cada), mas vale – empanada de carne tenra temperada com talento e de bom (e farto) queijo com cebola levemente caramelizada. Só preciso disso e de uma Quilmes – aliás, este foi meu almoço de despedida da cidade.

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